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Hermenêutica, ritual ou sentido?




Procurando edições dos mais diversos livros, incluindo alguns livros religiosos (afinal, porque não?!) encontro o seguinte: "Não há como traduzi-lo. A tradução em qualquer idioma constitui apenas uma leve sombra do imenso oceano que é o Nobre Alcorão." Até aí tudo bem, tranquilo. Cada texto em sua língua original, em especial textos sagrados cheios de sentidos múltiplos e interpretações segundo a fé e comunidade que os lê pode realmente sofrer perdas significativas. Porém, o site diz o seguinte: "É possível apenas ser feita a tradução de seu significado ou do seu sentido." (Extraído de: https://islamparana.wordpress.com/…/as-edicoes-do-alcorao-…/)



Nem preciso dizer que meu cabelo e meus pelos eriçaram com o alarme iminente. Para quem não entendeu ele está falando da revelação divina ou teológica que só poderia ser feita essencialmente com o contato com o divino. A língua em si não é propriamente um veículo adequado para a revelação da palavra de Deus. Pelo que lembro das aulas de mitologia e teologia é exatamente isso. Agora calculem o resto...

Para quem não entendeu vai o resto: Sânscrito, grego ou árabe, tanto faz, quando a "revelação divina" é mais importante que a tradução. Isso porque a gramática e a filologia se originaram de uma disciplina chamada hermenêutica, que foi criada para desvendar os Vedas e a mensagem divina contida neles. Praticamente tudo que temos de análises do discurso, língua, etc começou de disciplinas litúrgicas de pessoas que se dedicavam efetivamente à ler a mensagem da religião Hindu de maneira sistemática. Sendo assim, o sentido estrito ou profundo do texto tem ligações com o divino e a teologia, mas foi aprimorado para algo mais sistemático, imagino eu, e que passou a se tornar mais e mais científico. Isso é particularmente claro no século XX quando passamos de gramáticas baseadas em filologia e descrição dos clássicos para estudos do discurso e da língua viva.*

Não conheço a proposta original da hermenêutica, mas hoje em dia ela é utilizada como uma leitura de leis, ou se quiser, como leitura do texto por meio do processo que chamamos, em crítica literária, de close reading: ler, ler e reler o texto literário até que sobre apenas o que foi de fato lido para se criar o sentido da obra de maneira lata. Ou seja, segundo a concepção do New Criticism americano: sem autor, sem contextos absurdos ou outras referências que possam interferir na leitura da obra em si, isolada de certos ruídos externos que podem desviar a atenção do texto original. Obviamente, existem defeitos enormes neste método e ele lembra demais o estruturalismo russo, porém, ele é uma maneira bastante sensata de se ler o que se apresenta no texto sem muitos voos de imaginação ou teorias mais mirabolantes.



Este texto do site nos prova que se for assim a hermenêutica religiosa de hoje em dia há bastante gente que se importa mais com "direções divinas" do que o entendimento da mensagem de "Deus". Afinal, a mensagem de "Deus" se propaga pelo texto e é por meio dele que ele revela seus "planos para o mundo" e sua "mensagem".



Não me confundam, eu não sou religioso, estou longe disso. Sou um professor de inglês e literatura que não nega, como muitos colegas do ramo, que mitologia e religião são obras que mereçam destaque dentro da produção cultural. Muito embora (ênfase neste muito embora), as interpretações advindas da religião, por grupos radicais, e suas consequências (dos atos dos radicais, em qualquer religião) se mostrem, em uma maioria esmagadora de vezes, inócuas e/ou mesmo danosas aos outros.

Este tipo de mensagem deixa claro que não há um cuidado ou um respeito pela relíquia cultural da religião que é o produto da mensagem de seu profeta Maomé* , porém, como uma maneira de se colocar a religião e o contacto com o Divino como algo que se dá sem intermédios claros. Isto desrespeita o rito e a mensagem passada e ofende aos que não se prestam à praticar a fé proposta ou nenhuma fé em particular.







* Nota: Infelizmente, isso fica evidente para aqueles que estudam ou lidam com a língua inglesa e não tanto com a língua portuguesa. Não por atraso, mas porque o discurso tradicionalista é muito forte para se admitir uma gramática mais descritiva do que literária. De qualquer modo isso é assunto para um post completo em separado. 


* Para mais informações sobre a religião islâmica e seus livros sagrados acesse:  https://www.youtube.com/watch?v=TpcbfxtdoI8

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