[Crítica]O Bom Professor (Pas de Vagues)
O filme "O Bom Professor" (Pas de Vagues), lançado em março de 2025 no Brasil, é um drama francês dirigido por Teddy Lussi-Modeste e coescrito com Audrey Diwan. Inspirado em uma experiência real vivida pelo próprio diretor em 2019, o longa mergulha em temas como acusações infundadas, julgamento social e os impactos devastadores da desinformação.
Existe um certo tipo de silêncio que fala mais alto que qualquer grito. É aquele silêncio que surge quando ninguém quer ouvir, só julgar. É esse tipo de vazio ensurdecedor que preenche cada cena de O Bom Professor (Pas de Vagues), drama francês que, sem levantar a voz, soca o estômago de quem assiste com algo que falta em muito filme barulhento por aí: inteligência emocional.
É um lugar perigoso entre o que foi dito, o que foi entendido, e o que viralizou. O Bom Professor caminha exatamente nesse abismo — e tropeça de propósito pra mostrar o quanto cair é fácil quando ninguém quer ouvir.
Dirigido por Teddy Lussi-Modeste, que traz sua própria experiência como professor injustamente acusado em 2019, o filme francês de 2025 faz algo raro nos tempos atuais: discute um tema espinhoso com sensibilidade, sem virar panfleto nem tribunal. E isso, por si só, já merece atenção.
Julien: o professor que queria ajudar — e virou alvo
Interpretado por François Civil com uma mistura de ingenuidade e desespero contido, Julien é o tipo de professor que muita escola não merece, mas toda escola precisa: envolvido, apaixonado pela literatura e disposto a encarar a realidade dos alunos como ela é — sem capa de super-herói nem colete à prova de burocracia. Mas estar “disposto a ouvir” é exatamente o que o coloca na mira de uma sociedade que prefere reagir a entender.
Só que em uma tentativa de incentivar uma aluna, Leslie, a se abrir na escrita, Julien acaba sendo interpretado como "invasivo". E aí, meu amigo, o dominó começa a cair. Uma meia-palavra, um olhar atravessado, e de repente ele já é “o professor que passou dos limites”. Só que o filme não responde de cara se ele passou mesmo. Ele te deixa com a dúvida, com o desconforto. E é aí que ele te pega.
Uma acusação de assédio. Sem provas. Sem contexto. Só uma fala, uma suposição, uma onda que vira tsunami. O título original do filme, aliás, é “Pas de Vagues” — "sem ondas", uma expressão que remete à cultura do conformismo. Só que aqui... as ondas vêm de todos os lados.
Uma tragédia moderna sem vilões óbvios
O filme é um estudo doloroso sobre o efeito bola de neve: uma acusação que começa frágil vira uma avalanche, empurrada por alunos, pais, redes sociais e colegas que preferem se proteger a perguntar o que realmente aconteceu.
É um retrato direto do nosso mundo onde basta alguém dizer “ele fez isso” pra que a verdade se torne irrelevante — porque o linchamento já começou. Online e offline.
Mas esse filme tem um mérito raro: não força antagonismos rasos. Não coloca Leslie como vilã, nem Julien como mártir. O que vemos é uma teia de mal-entendidos, inseguranças e medos amplificados por uma sociedade que já entra em modo “cancelar” antes de tentar compreender. É cruel, mas é real.
A direção de Teddy Lussi-Modeste (que viveu uma situação parecida na vida real) evita qualquer apelo dramático barato. A tensão cresce não com gritos, mas com olhares desviados, com colegas que se afastam, com reuniões de professores que mais parecem tribunais silenciosos. É o terror da reputação sendo corroída, sem chance de defesa.
Metáforas que batem como socos
A literatura é o fio condutor da relação entre professor e aluna. E ironicamente, é a linguagem literária que se perde primeiro quando o mundo decide que só quer respostas rápidas e culpados prontos para serem queimados em praça pública.
Julien tenta ensinar poesia, mas vive um pesadelo brutalmente prosaico. E é aqui que o filme atinge um ponto alto: ele não está nos dizendo que acusações são sempre falsas — mas sim que a pressa em julgar é sempre perigosa. E ouso dizer, também "preguiçosa" (afinal, as pessoas preferem julgar do que observar se é verdade ou não, antes de tudo).
François Civil entrega um protagonista que foge do estereótipo do “injustiçado bonzinho”. Ele tem falhas, sim. É humano, sim. Mas não é um monstro. E o filme não te deixa esquecer disso.
Toscane Duquesne, como Leslie, a aluna, também não é vilanizada. Sua dor, sua confusão, sua posição ambígua são mostradas com empatia. E esse é o mérito do roteiro: não escolher vilões fáceis, mas sim mostrar como o sistema inteiro — a escola, a mídia, os colegas, a opinião pública — vira um campo minado onde ninguém sai limpo.
Crítica sem grito, com impacto real
Talvez o que mais impressione em O Bom Professor seja o tom: o filme não berra. Não tem discurso pronto, nem plot twist moralista. Ele te convida a ver, sentir e refletir.
E olha, isso assusta mais do que muito thriller de tribunal.
Num mundo onde a palavra "acusado" vira sinônimo de "culpado" antes da vírgula, esse filme é um lembrete brutal: precisamos escutar mais, julgar menos, e entender que nem todo silêncio é confissão — às vezes, é só um grito que ninguém quis ouvir.
Mais do que um drama sobre um professor, O Bom Professor é um espelho incômodo do nosso tempo. Vivemos uma era em que o escândalo tem mais espaço que o fato, em que o medo de errar paralisa até quem tem boas intenções.
E o filme pergunta: quem vai querer ensinar, se todo gesto pode ser mal interpretado?
Quem vai querer ouvir, se até escutar pode virar motivo de condenação?
Veredito final:
O Bom Professor não é um filme fácil. Mas também não é um filme covarde. Ele é necessário. É o tipo de cinema que não te entrega respostas, mas te deixa carregando perguntas — e com sorte, um pouco mais de empatia.
Praticamente, é cinema francês em seu estado mais cru e necessário: provocador sem ser panfletário, reflexivo sem ser arrogante. É um daqueles filmes que não termina quando os créditos sobem — ele continua te olhando nos olhos, te perguntando: quantas reputações você já matou com um “eu ouvi dizer…”?
“Aqui, a lição é clara: o silêncio pode ser a arma mais violenta de todas. Às vezes, ensinar é o mais perigoso dos atos. Especialmente quando ninguém quer aprender.”
Nota: 9,5
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