Tragédia real
(publicado originalmente em Reg Thorpe - Fornit Some Fornus)
Muita gente que me conhece me acha um cara... OK, não vou fazer rodeios: velho demais para a minha idade. Em certos momentos até mesmo eu me sinto assim. Músicas de um tempo que não foi o meu, filmes antigos, Chaves... essas coisas. Você sabe, coisas clássicas (é necessário que eu esclareça nesse momento que não acho que clássico signifique bom).
Mesmo assim, não me surpreendi quando li Shakespeare pela primeira vez e não gostei. Na verdade, nas duas primeiras vezes. Hamlet e Rei Lear definitivamente não fizeram o meu estilo, embora sejam obras conhecidas/cultuadas mundialmente e não sei mais o quê. Toda aquela linguagem poética e exageradamente metafórica não me cativaram.
Devido a tudo isso, não tinha grandes expectativas quando peguei em mãos Édipo Rei (430 a.C.), do grego Sófocles, para ler. Se, historicamente , Hamlet e Rei Lear fazem parte do Renascimento, Édipo Rei faz parte da Grécia Antiga, cerca de dois mil anos antes. Depois de terminar de ler, há pouco, acho que posso dizer que, se eu não adorei, achei bem melhor do que Shakespeare. Digamos que eu "quase gostei".
A ironia disso tudo é o fato de eu não ter me dado muito bem com Shakespeare devido à linguagem da época e ter me adaptado muito melhor a Sófocles, muito mais antigo (devido, talvez, à qualidade da tradução?). A estrutura de Édipo Rei é muito mais fácil de ser compreendida também.
Outra coisa que torna a situação irônica é a questão dos deuses. Os gregos acreditavam na mitologia ao extremo, aquela coisa de destino traçado pelos deuses e coisa e tal. Já os renascentistas valorizavam mais a ação humana. A ironia em eu ter gostado mais de algo "teocêntrico" é o fato de que eu não sou religioso. Acho que isso se deve àquela coisa que disse no post sobre o filme Predador: gosto de coisas fora da realidade justamente para esquecer um pouco a própria realidade.
Uma das características do teatro grego era a unidade de tempo: as histórias ocorriam em um curto período, na maioria das vezes em um único dia. Édipo Rei não é diferente.
O ponto de partida da peça se dá quando Édipo, rei de Tebas, é indagado por parte da população sobre a solução para uma peste que assola a cidade. Ao buscar respostas dos deuses através do oráculo de Delfos, Édipo recebe a "missão" de desvendar e vingar o assassinato do monarca anterior. Ao consultar um segundo oráculo, é acusado de ter participação importante nos eventos que culminaram no crime, além de descobrir que o assassino está destinado a matar o próprio pai e se casar com a própria mãe. No final de tudo (que se dane, lá vem SPOILER), através de uma sucessão de acontecimentos, Édipo se dá conta que, anos antes, ele mesmo assassinara o próprio pai, o rei anterior e casara-se com a própria mãe. De poderoso monarca a vítima do destino em um único dia...
Assim como todas as tragédias gregas, vemos um personagem humano que cometeu um erro passível de punição dos deuses, o que culmina com um desfecho, digamos, infeliz. Édipo termina cego e, possivelmente, vítima do ostracismo, banido.
Apesar de eu ter certo bloqueio com essa coisa de "tendências artísticas" e achar que as obras não precisam ser repetitivas apenas devido ao contexto histórico/social/religioso em que se encontram, acho que posso dizer que Édipo rei superou minhas expectativas.
Talvez eu não seja tão chato, afinal...
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