[CRÍTICA] Tokyo Idols - O lado negro da cultura idol e a idolatria dos mais velhos pelas novinhas
A polêmica da cultura japonesa ainda tem muito o que render. Disponível na Netflix, Tokyo Idols é um documentário que explora o fenômeno da cultura idol ("ídolo" em inglês) japonesa, mais especificamente no j-pop (pop japonês), se focando num ponto inusitado: O sucesso de cantoras de aparência juvenil (ou literalmente crianças/adolescentes) entre homens de meia idade.
O premiado documentário dirigido pela Kyoko Miyake acompanha a idol Rio Hiiragi, de 19 anos, ao longo de seu cotidiano. A acompanhamos durante seus concertos, eventos, encontros com fãs, streams, momentos de fazer presentes para os fãs, etc. Vemos como esse universo funciona. Lembrando que ela não é, pelo menos durante esse momento, uma personalidade tão famosa assim. Há a aparição de outras artistas, incluindo aí a citação ao grande AKB48, mas o foco é na Rio e seu fã-clube.
O fã-clube de Rio pode parecer normal para quem está acostumado ao meio, mas para quem é de fora soa totalmente estranho. Diversos homens já adultos, com 30, 40, 50 anos. Todos ali reunidos para apoiar Rio em seus shows e afins. Todos unidos por um ideal. Todos unidos para se divertirem. Mas isso não é só com ela. Com qualquer outro fã-clube é assim. Seja solo, seja grupo, seja maior de idade, seja adolescente, seja criança, os caras estão sempre lá. Muitos. Mas como eles gostam disso?
Embora por vezes possa soar como algo pedófilo ver adultos curtindo uma adolescente, o documentário desfragmenta esse pensamento e analisa as situações, demonstrando uma questão muito mais profunda. Muitos fãs procuram ali um meio de fugir da realidade e de se sentir bem. Eles procuram uma forma de se satisfazerem e de suprirem suas vontades de forma fácil, mesmo que tudo seja apenas uma ilusão. Criam uma utopia para suas vidas.
A verdade é que existem vários tipos de fãs e de idols. Não devemos sair julgando livremente. O documentário tenta focar no lado negativo desse universo idol, e não resumir o j-pop, por mais que seja parte da realidade. Uma prova dessa diferença parte do fato de mostrarem motivações variadas entre os fãs. Comparando dois: Na cena do AKB, um fã diz preferir uma idol do grupo apenas por ela ser mais nova (menor de idade) e por isso mais "pura", "inocente", o que o agrada visualmente. Em contrapartida, numa cena com um fã da Rio, ele revela que ela se tornou um espelho para ele por ele ter fracassado na vida. Ou seja, ela se tornou alguém, o que o fez a colocar num pedestal para admiração e adoração, por assim dizer. Se faz sentido e o motivo de ser justo ela, já complica ter uma resposta válida para outros que não seja ele e os fãs.
Não é que há apenas intenções maliciosas nesse universo. Sabe aquele tio brincalhão da família? Eles se consideram isso. Para muitos, há apenas a necessidade de ser amado. Adicione isso ao fato deles serem otakus, afastados da família, ignorados pela sociedade e que o índice de relacionamentos no Japão vem caindo e perceba a gravidade da situação. Eles não buscam interagir com o mundo lá fora. Os traumas e o fechamento perante a sociedade os fazem buscar uma rota de fuga. As idols são essa rota de fuga. É como se elas servissem de consolo para eles. E parece que ambos os lados estão satisfeitos com isso. Como elas mesmo dizem, são graças a eles que elas estão onde estão. Isso abre a outros assuntos, como a submissão. É tudo construído culturalmente e socialmente para que chegue até onde chegou.
Deveriam ter dado mais espaço para a jornalista que participa do documentário. As pouquíssimas cenas em que ela aparece são impactantes, jogando pensamentos reflexivos sobre toda essa situação e até contradizendo algumas opiniões de outros participantes. Particularmente concordei com bastante coisa que ela falou (acabei por citar indiretamente algumas ao longo da crítica).
O universo idol é algo assustador e encantador ao mesmo tempo. Ele consegue unir os rejeitados e trazer novas motivações para viver. Esses motivos é que variam de fã pra fã. Alguns estão bem, mas outros estão num nível preocupante. O documentário deixa o potencial de poderem explorar mais ainda o lado negro da cultura midiática japonesa. Se fizessem um sobre animes e mangás focado nisso, mostrariam algo tão doentio que faria Tokyo Idols parecer leve. E olha que esse já é um documentário marcante.
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