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Reformulação do Palhaço

(publicado originalmente em Reg Thorpe - Fornit Some Fornus)


Uma das coisas mais irritantes no universo dos quadrinhos de heróis americanos, sobretudo da DC Comics, é a mania extremamente frequente nos últimos anos de  reformular a origem dos personagens sempre que lhes dá na telha. Obviamente, esse tipo de coisa é feita devido ao fato de que esses mesmos  personagens são mais produtos do que qualquer outra coisa. Algumas origens, como por exemplo as de Batman por Frank Miller e a do Superman por John Byrne, ambas nos anos oitenta, são atemporais e quase perfeitas.
Uma das maiores HQ's de todos os tempos, A Piada Mortal, escrita pelo britânico Alan Moore, é considerada por muitos como a história definitiva envolvendo o "relacionamento" entre o Cavaleiro das Trevas e o Príncipe Palhaço do Crime. Revela, entre outras coisas, uma possível origem para o vilão.
Posteriormente, a DC admitiu ter se arrependido de ter revelado a origem do Coringa. Realmente, eu concordo que um dos charmes do arquirrival do Batman é justamente esse: ninguém sabe de onde veio, o que o motivou a ser o que é, a fazer o que faz. Mesmo assim, a abordagem de Moore sobre o início da história do vilão é extremamente interessante e traz uma profundidade incrível. Além do mais, chega a ser irônico pensarmos, ao terminar de ler a obra, que Batman e Coringa são, digamos, duas faces de uma mesma moeda. Tanto o herói quanto o vilão têm tragédias pessoais que os motivam a ser o que são. A diferença é que um deles resolveu se vestir de Morcego e bater em bandidos e o outro resolveu... bom, ser mau. Bastante mau.
O que eu quis dizer com meu texto "enrolativo" acima é que uma reformulação na origem do Coringa era totalmente desnecessária. Tanto que, ao ler a história Amantes e Loucos, publicada em Batman Anual #3 (Panini, abril de 2011), a impressão que se tem é que foi idealizada apenas para seguir a maré comercial após o sucesso do vilão no filme Batman - O Cavaleiro das Trevas. Entretanto, a HQ foi publicada no ano anterior à estréia do filme, então...
Entenda bem, não estou dizendo que a reformulação da origem do Coringa seja ruim. Como uma história isolada, até que funciona bem. O texto do roteirista Michael Green é muito bom, mas acho as motivações de seu Coringa vazias demais. Seu Batman também parece ser mais humano, com mais vulnerabilidades. Abaixo, veja as cinco primeiras páginas da revista, disponibilizadas no site da Panini:







A arte é de Denys Cowan e John Floyd. Nesse quesito também prefiro o desenho de Brian Bolland em A Piada Mortal, mas nesse caso é apenas preferência de estilo mesmo. Prefiro desenhos mais realistas e menos estilizados.
Um aspecto interessante visto nas páginas acima é o uso de um veículo bastante similar ao Thumbler, o batmóvel dos dois últimos filmes do Batman. Já mostra a influência que Batman Begins (2005) teve nos quadrinhos do herói.
Mas vamos à história...
Amantes e Loucos nos remete aos primeiros dias de Batman como vigilante em Gotham City. Assim como as páginas acima podem atestar, os criminosos de Gotham estão mais cautelosos e as ruas estão mais seguras. Batman está confiante e agora quer capturar os verdadeiros chefões da máfia de Gotham. Os traficantes de drogas parecem ser suas próximas vítimas.
Nesse período, uma figura misteriosa chamada apenas de Jack (em português, teria um significado como "Fulano", por exemplo), um verdadeiro "artista" no que diz respeito a burlar sistemas de segurança, vem fazendo estrago nas noites da cidade. Mesmo assim, o tal sujeito parece sofrer de depressão profunda por achar que a sua existência não tem o menor sentido. Para tentar remediar isso, passa a cometer crimes sem motivação, matar sem nenhuma razão aparente. Sem saber, passa a angustiar também o Cavaleiro das Trevas, que não consegue identificar o criminoso justamente por não haver um motivo aparente em suas ações. Batman, por sua vez, passa a desenvolver um relacionamento amoroso em sua vida como Bruce Wayne, principalmente para tentar encontrar uma área de escape de suas tensões (aí está aquela vulnerabilidade de que falei).
Em mais um assalto bem sucedido, Jack parece finalmente se render à depressão. Enquanto seus comparsas fogem, ele entrega sua arma a um dos guardas rendidos e pede que ele o mate. Entretanto, nesse momento Batman aparece em outra sala e esmurra vários bandidos. Ao observar a cena, Jack fica "encantado" com a seriedade bizarra de um homem que se fantasia para assustar bandidos. "Ele parece ridículo", diz a si mesmo. Jack encontra uma razão para fazer o seu trabalho.
É exatamente nesse ponto que a história de Green se separa drasticamente da de Moore. O Coringa de A Piada Mortal começa como um comediante fracassado que mora com a esposa grávida em um bairro pobre de Gotham. Totalmente desesperado, aceita servir de guia a dois ladrões para que assaltem sua ex-empresa. Contudo, um dia antes do assalto, sua mulher morre em um acidente doméstico. Mesmo assim, os ladrões o obrigam a continuar o serviço.
Entretanto, o roubo é mal-sucedido. Há troca de tiros entre os bandidos e a polícia e ambos acabam mortos. Na fuga, Joe (como é chamado o personagem) se vê frente a frente com o Batman. Desesperado, se atira em um tanque repleto de produtos químicos e desaparece nas tubulações.
Na nova origem, Jack fica obcecado pelo Batman e passa a deixar recados para o herói nas cenas de crime. O que se segue é um tanto previsível. Em uma festa beneficente, Batmangangue do bandido, mas não antes que sua namorada seja esfaqueada por Jack. Na fuga, Batman escolhe socorrer a garota, mas antes que Jack saia, atira um batarangue e corta as duas faces de Jack, formando uma espécie de sorriso no rosto do vilão.
Enquanto o Joe de A Piada Mortal enlouquece definitivamente ao sair dos canos de esgoto da fábrica de baralhos e ver seu novo rosto refletido na água, o Jack de Amantes e Loucos ainda não se rendeu de vez ao ter suas faces mutiladas. Em um ato de vingança indigno de um verdadeiro herói (sobretudo da DC), Batman "contrata" um perigoso traficante de drogas da cidade e lhe dá o paradeiro de Jack, com o intuito de que este traficante se livre de um rival. Contudo, ao invés de fazer logo o serviço, o tal traficante comete o pecado do orgulho e resolve dar uma lição em Jack antes de matá-lo. Erro grave e, mesmo depois de levar uma surra que lhe arrebenta o rosto, Jack consegue escapar e derrota os traficantes. Mesmo caído, Maletesta tenta acertar um tiro em Jack, mas apenas resvala no pescoço do bandido. No momento em que Batman chega ao local para tentar corrigir seu erro, o lugar onde Jack está é inundado por toneladas de produtos químicos.
Ironicamente, é quando está submerso que a loucura de Jack finalmente vem à tona. Inicialmente, decide morrer ali.

"Ah, isto não pode me fazer bem. Pelo menos a água está quente. Mas arde um pouco. (ai, ai)
Bom... acho que vai acabar logo. Mas é gostoso. Calmo. Que nem o fundo da piscina. Costumava prender a respiração assim por mais de três minutos.
Tique taque. Fiz um bom trabalho com aqueles caras lá em cima. Aquilo foi legal. A loira do bar tinha razão. Eu tenho um dom. Que pena. Mais um minuto e todos vamos dançar. Finalmente.
Por outro lado... Até resisti bastante, né? Não dá pra negar que havia um instinto vital... alguma teimosia bruta da alma. Depois de todo aquele papo sobre morrer... eu resisti. E quando aquela bala estava vindo... me abaixei.
Me pegou desprevenido e tudo o mais. Eu merecia. Finalmente estava chegando... e me abaixei.
Acho que... acho que devia tentar. Seria uma baita pena nunca mais vê-lo. Ele podia ter me salvado. Podíamos ter rido. Ora, quem diria? Teria sido tão mais fácil se isso não tivesse acabado de acontecer.
É a vida. Quatro minutos agora. Não sobrou nada nos meus pulmões além de sangue e produtos químicos. Não sei quanto mais consigo.
(oops, assim não dá)
Não. Isso não pode me fazer bem mesmo. Depois daquilo tudo, morrer envenenado. EU. Meio engraçado, na verdade. VENENO.
Deve ser... deve ser algum tipo de piada.
A lua? Nunca percebi antes. O rosto na lua... meio que parece um coelhinho. UM COELHINHO. HAH.
TEM UM COELHINHO NA LUA!
Isso é loucura."
Não é preciso dizer que quem saiu do outro lado não era mais o sujeito conhecido como Jack. Era... outra coisa.
A partir daí, não há muita coisa a ser contada. Mesmo assim, há dois momentos dignos de uma história com o Coringa. Um deles envolve uma garotinha em um circo e o outro mostra algumas pessoas penduradas por cordas.

Como eu disse anteriormente, como uma história isolada, Amantes e Loucos funciona muito bem. Mas repito também que uma reformulação na origem do Coringa era totalmente desnecessária. Talvez uma nova história abordando outro ponto de vista de A Piada Mortal fosse bem-vinda, desde que escrita com inteligência e profundidade.
Bem, se achar melhor, leia a história e tire suas próprias conclusões. A graça de tudo está exatamente nisso...

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